Moradora de uma rua de acesso a uma das favelas do Vital Brazil há mais de 40 anos, a aposentada A., de 66 anos, habituou-se a desviar o olhar quando começa o vaivém de adolescentes em motos, ao cair da noite. A grande maioria aparenta ser menor de idade, mas eles tomam conta da esquina a serviço do tráfico. A atividade ilícita, por mais que lhe causasse desconforto e constrangimento, pouco interferia em sua rotina. Até o começo da madrugada do último dia 11. Aquela sexta-feira ficou marcada na vida da senhora, porque foi a despedida dos fins de semana de paz e noites bem dormidas. Desde então, o silêncio da noite passou a ser interrompido por barulho de tiros e “pancadões” de caixas de som que animam os bailes promovidos pelo tráfico nos morros Souza Soares, Beltrão e Vital Brazil.
Desde o ano passado, o Disque-Denúncia (2253-1177) vem registrando um aumento do número de reclamações sobre bailes promovidos em comunidades. Até o último dia 28, houve 23 denúncias ; em todo o ano passado, 270. Esse número, comparado ao ano anterior, quando foram registradas 160 denúncias, representa um aumento de cerca de 70%.
O 12º BPM (Niterói) diz que está inibindo os bailes e que atende a todos os chamados. Mas não informou quantos bailes foram interrompidos nem quantas operações foram realizadas para coibir o problema. Além disso, no relato dos moradores está a certeza de que a polícia ignora os apelos.
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Foto: Guilherme Leporace |
— O primeiro baile acabou às 6h30m. Liguei três vezes para o 190 e fui informada de que precisava aguardar a viatura, que, obviamente, nunca apareceu. Nessa ocasião, houve tiros disparados de madrugada e, quando amanheceu e as pessoas começaram a se dispersar, os bandidos, em duplas, começaram a subir e descer de moto em frente à minha casa, empunhando armas. A algazarra só terminou em torno das 7h30m — recorda-se a senhora.
Ainda na Zona Sul da cidade, os bailes promovidos na Grota do Surucucu, em São Francisco; e no Preventório, em Charitas, também têm tirado o sono da vizinhança. A comunidade do Preventório fica, inclusive, atrás da delegacia da área, a 79ª DP (Jurujuba). Frequentadores dos bailes na Grota, que pediram o anonimato, dizem que o tráfico já levou, inclusive, uma famosa banda de pagode para animar o aniversário de um traficante.
As duas comunidades aparecem como as recordistas de reclamações repassadas ao Disque-Denúncia no ano passado. O Preventório gerou 50 ligações, e a Grota, 40. Na Zona Norte, a comunidade Nova Brasília, na Engenhoca, foi denunciada 26 vezes, e a Vila Ipiranga, no Fonseca, 24. Procurado na sexta-feira, o delegado da 79ª DP, Luiz Antônio Ferreira, não retornou as ligações do GLOBO-Niterói.
Fonte: Jornal O Globo